Eu fui uma criança tímida, retraída e sempre me senti fora de lugar, era vitima constante de abusos, como gracejos, palavras ofensivas, muitas vezes servia de chacota na escola, e tudo por ser diferente, ou melhor, por ter um corte de cabelo diferente. Algum tempo atrás respondi um meme e me foi perguntado qual o primeiro corte radical que fiz no cabelo, respondi que foi um corte tipo Joãozinho, pois minha mãe teve três filhas, mas nunca aprendeu a pentear, nem fazer um simples rabo de cavalo, e por esse “corte radical”, fui vítima de bullying por muitos anos.
Explico: Quando pequena sempre tive o cabelo curto (tipo Joãozinho), hoje pode ser moderno, mas alguns anos atrás menina tinha que ter cabelo comprido. Mais ou menos a cada três meses minha mãe me levava para cortar o cabelo e mandava cortar curto, muito curto, me lembro até hoje que eu saia de casa chorando o caminho inteiro até o salão, quando chegava lá a “moça que cortava o cabelo”, era assim que eu chamava a cabeleireira, já me olhava com cara de dó e tentava convencer minha mãe a mudar de idéia, pois quando eu sentava naquela maldita cadeira é que eu chorava, pois só eu sabia o que iria passar, chorava até sair daquele lugar, chorava até chegar em casa e me escondia para poder chorar novamente e sozinha, sem levar bronca da minha mãe pelo "escândalo". Minha mãe nunca entendeu, nunca compreendeu, por mais que eu tentasse explicar, que eu tentasse faze-la compreender.
No jardim de infância começou o tormento que se estendeu até a quarta série. Talvez alguém que esteja lendo isso pense que é besteira, um corte de cabelo atrapalhar a vida de uma pessoa, mas eu sei o que sofri, as humilhações que passei, ás vezes que me sentia acuada, outras tantas que chorei escondida, outras que rezava para o dia terminar logo, pois em casa eu estava salva, na minha rua eu tinha amigos que não se importavam como era meu cabelo, se era comprido ou se era curto, ninguem me chamava de menino e ninguém fazia piada sobre mim, com meus amigos eu não era e nem virava piada. Lembro de quantas vezes inventei dores inexistentes para não ir a escola, quantas vezes fazia o trajeto da escola chorando, esperando pelo pior. Um dia foi pior que os outros, na quarta série, naquele dia antes de entrarmos para aula, “ele” chegou, por incrivel que pareça nunca esqueci o nome e nem o rosto desse garoto “Manoel”, quando vi ele entrar no pátio, tentei passar despercebida, me encolhi, mas não teve jeito acho que ele tinha um sensor que me localizava, pronto começou as piadas com meu cabelo, comecei a ser chamada se maria homem, maria joão, que menina tinha o cabelo comprido e não cortado daquele jeito, que eu usava o banheiro errado, que iria tirar minha roupa para ver se eu era menina mesmo, quando levantei e tentei sair do pátio ele gritou bem alto: Lá vai a maria homem de cabelo pelado; acho que a metade da escola que se encontrava no pátio riu de mim, apontou, fez piada, e eu ali, parada, com vontade de chorar, mas não chorei o que senti foi raiva por minha mãe me submeter aquilo, raiva por ninguém fazer nada. Pois de um praticante contra mim, surgiram vários outros, todos achando-se com direito de me ofender. Sinto que isso prejudicou minha infância, prejudicou minha adolescência e sinto que ainda sou prejudicada de alguma forma, sou timida, sou muito retraida e tenho medo quando sou muito olhada, muito observada, não sei receber elogios, acho que sempre são falsos, acho que ainda me vejo como aquela menina de alguns anos atrás. Passei por psicologos durante algum tempo, mas existem marcas que ficam, apenas suavizam. Para mim como criança foi muito dificil aguentar, suportar, mas acho que até do que é ruim tiramos uma lição, e esse episódio da minha vida me fez de certa forma ser mais aberta as coisas, me fez ser uma pessoa sem pré-conceitos, não julgo, não aponto, pois não quero fazer vítimas.
Hoje tenho dois filhos em idade escolar, estou sempre conversando, orientando, tento sempre captar se está acontecendo algo errado, pois não quero que meus filhos sejam vitimas e principalmente praticantes do bullying. Tenho medo por eles. Sinceramente não sei qual a pior alternativa, ser vitima ou ser que ofende, quem aponta, quem pratica.
*Talvez esse texto não tenha ficado bem escrito, mas quando postei o selo e comecei a escrever saiu esse desabafo, pois fui vítima de bullying, apenas não tinha nome, era “brincadeira” de criança.